Porque, há muito, eu erro a receita do equilíbrio. O quanto uso das partes que brigam dentro de mim. Há muito, eu me confundo. Porque metade não tem medo e levanta os braços na descida da montanha-russa, olhos abertos. Enquanto a outra acha melhor enfrentar a queda com as mãos na barra, segurando forte. Espremendo os dois olhos, fechados, desde o começo do percurso.
Metade prefere brincar na beira da praia, no raso. Enquanto outra não vê problemas em pular dezenas de ondas e nadar onde a pequena bandeira vermelha, agitada pelo vento, avisa sobre o risco. Sobre o possível afogamento.
Porque, há muito, eu erro a mão. Uso a parte que não deveria na hora em que não poderia. Confundo-me com as metades que brigam dentro de mim. Porque parte acelera na estrada, no momento da curva fechada. Pé direito até o fim. Enquanto a outra freia, bruscamente, ao ver a primeira placa. Seta torta, avisando sobre o perigo.
Metade não suporta a burrice, a pequenez, a lerdeza. Outra, sempre calada, tolera a banalidade. Engole a ignorância. Convive com a mediocridade.
Há muito, eu erro a dose. Confundo-me com o que devo usar. Porque metade briga, explode. Dedo apontado na cara. Enquanto a outra se recolhe, quieta, debaixo da cama. No quarto fechado. No tudo escuro. Metade berra. Outra sussurra.
Tenho uma parte que acredita em finais felizes. Em beijo antes dos créditos, enquanto a outra acha que não sabe amar.
Tenho uma metade que mente, trai, engana. Outra que só conhece a verdade. Uma parte que precisa de calor, carinho, pés com pés. Outra que sobrevive sozinha. Metade auto-suficiente.
Mas, há muito, eu erro a mão. A dose. Esqueço a receita do equilíbrio. Me perco. Tenho usado a metade que não poderia. Porque elas brigam dentro de mim, as metades.
Há algumas mais fortes. Outras ferozes. Há partes quase indomáveis. Metades que me fazem sofrer nessa luta diária que vivo ao tentar não deixar que uma mate a outra.
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